[tradução de "the sphinx without a secret", de oscar wilde, parte 1]
publicado originalmente em 12/06/2019
A esfinge sem enigma - Oscar Wilde
Uma tarde dessas eu estava sentado do lado de fora do Café de la Paix, observando o esplendor e o desleixo da vida parisiense e me questionando, da beira do meu copo de vermute, sobre o estranho panorama de orgulho e pobreza que se desenrolava à minha frente, quando ouvi alguém chamar meu nome. Virei-me e vi Lord Murchison. Não nos víamos desde que cursamos juntos a faculdade, há quase 10 anos, então eu fiquei feliz de vê-lo novamente, enquanto compartilhávamos um aperto de mão amigável. Em Oxford nós éramos bons amigos. Eu gostava muito dele, ele tinha um bom astral, era honesto e charmoso. Nós dizíamos que ele seria um ótimo camarada, se ele não se importasse tanto em sempre dizer a verdade, mas eu acho que nós o admirávamos ainda mais por essa sua franqueza. Para mim ele parecia muito mudado. Parecia ansioso e confuso, e meio em dúvida em relação a algo. Não deveria ser sobre o ceticismo moderno, até porque Murchison era o mais resoluto dos Tories, e acreditava no Pentateuch com tanta firmeza quando ele acreditava na House of Peers; então eu concluí que deveria ser sobre uma mulher, e perguntei se ele já estava casado.
“Eu não entendo as mulheres tão bem assim.” Ele respondeu.
“Meu querido Gerald,” eu disse, “mulheres foram feitas para serem amadas e não entendidas.”
“Eu não posso amar algo em que não confio.” Ele respondeu.
“Eu acredito que você tem um mistério na sua vida, Gerald!” Eu exclamei. “Me conte mais.”
“Vamos sair daqui,” ele respondeu “está muito cheio. Não, não a carruagem amarela, qualquer outra cor – ali, a verde escuro serve.” E, um momento depois, estávamos caminhando pela larga avenida na direção de Madeleine.
“Para onde devemos ir?” Eu disse.
“Ah, qualquer lugar que você queira!” Ele respondeu – “Ao restaurante no Bois. Jantaremos lá e você me fala de você.”
“Eu quero ouvir sobre você primeiro.” Eu disse. “Me conte seu mistério.”
Ele tirou do seu bolso uma carteira pequena com detalhes em prata e me entregou. Eu abri. Dentro dela havia a foto de uma mulher. Ela era alta, delicada e estranhamente caricata com seus olhos grandes e vagos e cabelo solto. Ela parecia uma vidente e estava embrulhada em um rico casaco de pelos.
“O que você acha desse rosto?” Ele perguntou. “Parece-lhe verdadeiro?”
Eu examinei com cuidado. Parecia o rosto de alguém que tinha um segredo, mas se era um segredo bom ou ruim eu não saberia dizer. A sua beleza era uma beleza moldada por vários mistérios – a beleza, de fato, é psicológica, não plástica – e o suave sorriso que brincava nos seus lábios era sutil demais para ser verdadeiramente doce.
“Bem,” ele repetiu impaciente, “o que você acha?”
“Ela é Gioconda numa estola.” Eu respondi. “Me conte tudo sobre ela.”
“Agora não.” Ele disse. “Depois do jantar.” E começou a falar de outras coisas.
Quando o garçom nos trouxe nossos cafés e cigarros, eu lembrei Gerald de sua promessa. Ele se levantou de sua cadeira, andou dois ou três passos de um lado para o outro do salão, e, afundando em uma poltrona, contou-me a seguinte história:
“Um dia,” ele disse, “eu estava andando na Rua Bond às cinco da tarde. Havia acontecido um acidente terrível de carruagens e o tráfego estava quase que completamente parado. Perto da calçada havia um coche amarelo que, por alguma razão, me chamou atenção. Quando eu passei por ele, o rosto que eu te mostrei essa tarde olhava lá dentro. Eu fiquei imediatamente fascinado. A noite inteira eu fiquei pensando nela, e também no dia seguinte. Eu caminhei para cima e para baixo naquele meio-fio miserável, espiando dentro de cada carruagem, e esperando pelo coche amarelo; mas eu não pude encontrar ma belle inconnue, e por fim comecei achar que ela era somente um sonho. Mais ou menos uma semana depois eu estava jantando com Madame de Rastail. Havíamos marcado para às oito da noite, mas oito e meia ainda estávamos esperando na sala de estar. Finalmente a empregada abriu a porta e anunciou Lady Alroy. Era a mulher que eu estava procurando. Ela entrou lentamente, parecendo um raio de lua vestido em renda, e, para o meu intenso prazer, fui pedido para acompanhá-la durante o jantar. Depois que nos sentamos, eu comentei inocentemente, ‘Eu acho que te vi há algum tempo na rua Bond, Lady Alroy.’ Ela ficou muito pálida, e me disse numa voz baixa, ‘Por favor, não fale tão alto; alguém pode te ouvir.’ Eu me senti horrível por esse começo tão ruim e mudei rapidamente de assunto, indo para uma conversa sobre peças de teatro francesas. Ela falou muito pouco, sempre no mesmo volume baixo e musical, como se tivesse medo de alguém ouvi-la. Eu me senti estupidamente e intensamente apaixonado, e a atmosfera indefinível de mistério que a cercava acendia em mim a mais ardente curiosidade. Quando ela estava indo embora, o que ela fez logo após o jantar, eu perguntei se poderia ligar para ela e se poderíamos nos encontrar. Ela hesitou por um momento, olhou em volta para ver se havia alguém perto de nós, e então disse, ‘Sim, amanhã, às quinze para cinco.’ Eu implorei a Madame de Rastail para me contar mais sobre ela; mas tudo que soube foi que ela era uma viúva com uma bela casa na Travessa Park, e quando um chato começou a dissertar sobre viúvas, exemplificando a sobrevivência da mais apta ao matrimônio, eu saí e fui para casa.
“No dia seguinte eu cheguei à Travessa Park pontualmente, mas fui avisado pelo mordomo que Lady Alroy acabara de sair. Fui para o clube me sentindo infeliz e confuso e, depois de pensar muito, escrevi uma carta, perguntando se ela me permitiria mais uma chance em outra tarde. Eu não tive resposta por muitos dias, mas finalmente recebi um recado dizendo que ela estaria em casa no domingo, às quatro, e com esse extraordinário P.S.: ‘Por favor, não escreva novamente para esse endereço. Eu lhe explicarei quando nos vermos.’ No domingo ela me recebeu e foi completamente encantadora; mas quando eu estava indo embora ela me implorou para que, caso fosse escrever a ela novamente, que enviasse a carta para Srta. Knox, aos cuidados da Biblioteca Whittaker, Rua Green. ‘Tenho motivos’ ela disse, ‘para eu não poder receber cartas na minha própria casa.’
“Eu a vi bastante durante toda aquela temporada, e a atmosfera de mistério nunca a deixou. Às vezes eu pensava que ela era compromissada com algum homem, mas ao mesmo tempo ela parecia tão inacessível que eu não conseguia me fazer acreditar naquilo. Era muito difícil para mim chegar em qualquer conclusão. Para mim ela era como um daqueles estranhos cristais que se vê em museus, que em um momento estão límpidos e, no outro, tomados por fumaça. Finalmente eu tomei a decisão de pedir a mão dela em casamento: eu estava cansado da incessante discrição que ela impunha a todas as minhas visitas e nas poucas cartas que eu enviei a ela. Enviei uma carta pelo endereço da biblioteca, para perguntar se ela poderia me ver na segunda-feira seguinte às seis. Ela disse que sim e eu fui até o sétimo céu. Eu estava apaixonado por ela, apesar de todo o mistério – na época pensei até que por consequência desse mistério, mas hoje vejo que não. Era a mulher, ela mesma, que eu amava. O mistério me confundia, me enlouquecia. Por que o destino me colocou nesse caminho?”
“Você descobriu, então?” Eu exclamei.
“Temo que sim.” Ele respondeu. “Você mesmo pode julgar.”
CONTINUA (na próxima edição!)


